MEUS SENHORES E SENHORAS
TANTO VELHO COMO NOVO
EU VOU CONTAR UM HISTÓRIA
SÓ PRA LEMBRAR O POVO
ESTA HITÓRIA ACONTECEU
EU ERA MULEQUE NOVO
TRABALHAVA NUMA FAZENDA
PERTO DO CÓRREGO NOVO
A DIVISA DESTA FAZENDA
ERA UMA MATA FECHADA
QUEM EMBRENHASSE NESTA MATA
A SORTE ERA TRAÇADA
VAMOS AO QUE INTERESSA
DEIXA DE PAPO FURADO
TUDO TEM O SEU TEMPO
O MOMENTO FOI CHEGADO
FALAREMOS O QUE É VERDADE
E NUNCA PERDEREMOS A FÉ
QUANDO EU CONTO ESTA HISTÓRIA
TREMO DA CABEÇA AO PÉ
EU TREMO, MAS NÃO É MEDO
É A EMOÇÃO DO PASSADO
PRA PASSAR O QUE EU PASSEI
TEM QUE ESTAR PREPARADO
TINHA DEZESETE ANOS
MAIS JÁ TINHA “EXPERIÊNSA”
QUANDO O CARA TEM CORAGEM
ELE SÓ FALA O QUE PENSA
EU JÁ DEI UMA PINCELADA
VOU TERMINAR À PINTURA
SE QUISER ESCREVER HISTÓRIA
PEGA O ENDEREÇO E ME PROCURA
MANDARAM ME CHAMAR EM CASA
PREPAREI A MINHA GERINGONÇA
ME DISSERAM QUE NO CÓRREGO NOVO
TEM APARECIDO ONÇA
MEUS COMPANHEIROS DE FÉ
SÃO AMIGOS DA VIZINHANÇA
DISSERAM UM PRO OUTRO
TO FORA DESSA LAMBANÇA
CHAMEI UM PRA DAR UMA VOLTA
PRA VER SE VIA A FERA
ELE ABRIU A BOCA A CHORAR
DISSE: “OCÊ” NÃO ME CONSIDERA.
A COMIDA JÁ ESTÁ PRONTA
EU VOU ENCHER A PANÇA
MEU COMPANHEIRO DE FÉ
ERA AMIGO DE “INFÂNSA”
MEUS AMIGOS DE INFÂNCIA
BOTARAM A BARBA DE MOLHO
QUANDO É PARADA DURA
MEUS COMPANHEIROS EU ESCOLHO
CHAMEI MEU AMIGO DAZIM
LETRAGINO E O PIRATA
JOÃO TUMAIS DEU NO PÉ
FOI PARAR EM SANTA MARTA
MANDEI CHAMAR O JUVENTINO
ELE TROUXE ZÉ NICOLAU
TROUXE TAMBEM ZÉ PORTUGUÊS
COM UMA PERNA DE PAU
PERGUNTEI PROS COMPANHEIROS:
TEM AQUI ALGUM MEDROSO?
UM CARA RESPONDEU TREMENDO:
EU SO TÔ UM POUCO NERVOSO.
FALEI PROS MEUS COMPANHEIROS
ESTE CABRA TÁ COM URUCUBACA
DEI PRA ELE UM CHÁ MARGOSO
CUROU NA HORA A RESSACA
DEIXAMOS O CABRA PRA TRÁS
E PARTIMOS PRA GRANDE MISSÃO
TODO MUNDO BEM PREPARADO
COM PICARETA, PÁ E ENCHADÃO
TINHA UM QUE LEVAVA ÁLCOOL
E BASTANTE ANESTESIA
OUTRO COM UM TERÇO NA MÃO
CREDO EM CRUZ AVE MARIA
TINHA OUTRO QUE DIZIA AMÉM
E BENZIA COM A MÃO CANHOTA
VOU TIRAR O COURO DA BIXA
E FAZER UM PAR DE “BOTA”
OUTRO DIZIA COM ESTA CARNE
NÓS VAMOS FAZER UM CHURRASCO
BEM NA PRAÇA PRINCIPAL
NA DERROTA DO VASCO
OUTRO DISSE AS TRIPAS FINAS
PRECISO PRA FAZER LINGÜIÇA
DEPOIS QUE O BICHO ESTIVER MORTO
EU MANDO REZAR A MISSA
VAMOS TODOS EM SILÊNCIO
PRENDE BEM A RESPIRAÇÃO
OLHO FIRME NA PONTARIA
NÃO PODE TREMER A MÃO
COM O DEDO NO GATILHO
CÃO PRA TRAZ É MUITO SÉRIO
SE ERRAR A PONTARIA
VAI PARAR NO CEMITÉRIO
A ONÇA TÁ NUMA TOCA
NO FUNDO DUMA CAVERNA
QUANDO EU DISSE: VAMOS ENTRAR.
O COMPADRE BAMBIOU AS “PERNA”
BEM NO FUNDO DA CAVERNA
A ONÇA DEU UM GEMIDO
MEU COMPADRE DESMAIOU
PENSEI QUE TINHA MORRIDO
O COMPADRE LEVANTOU
EQUIPOU-SE NOVAMENTE
O HOMEM TREMIA TANTO
NÃO PARAVA DE BATER O DENTE
DISSE QUE ESTAVA CALMO
PORQUE NÃO TINHA VISTO NADA
ESTA HISTÓRIA DE ONÇA
PARECE MAIS UMA PIADA
O FEDOR ERA TÃO FORTE
PIOR QUE CARNIÇA MORTA
QUANDO O BICHO SUSPIRAVA
NINGUÉM CHEGAVA NA PORTA
MEU COMPADRE DISSE PRONTO
JÁ PAREI DE TREMER A PERNA
ELE DEU UMA DE MACHÃO
QUERIA ENTRAR NA CAVERNA
EU DISSE PRA MEU COMPADRE:
ESTA ONÇA É OSSO DURO.
ELE DISSE TÔ ACOSTUMADO:
PEGAR E SACI NO ESCURO,
JÁ PEGUEI UM LOBISOMEM,
E DEIXEI O BICHO TONTO,
AMARREI COM UMA CORDA,
E VENDI POR CINCO CONTO.
DENTRO DESTA CAVERNA
PARECE MAIS COM UM FORNO
SE LÚCIFER TEM CHIFRE
COM CERTEZA ELE É CORNO
NÃO QUERO CONVERSA MOLE
NEM PAPO DE GERINGONÇA
SO QUERO ENTRAR NESSA TOCA
E PEGAR LOGO ESTA ONÇA
CHEGOU A HORA DA DANÇA
É MELHOR SEGURAR A VALSA
A ONÇA DEU UM MIADO
O COMPADRE MOLHOU A CALÇA
COM A CALÇA TODA MOLHADA
PERGUNTOU SE TAVA CHOVENDO
O QUE FOI QUE ACONTECEU
EU NÃO FIQUEI SABENDO
EU NÃO GOSTO DE BRINCADEIRA
COMIGO A COISA É SÉRIA
VAMOS DEIXAR O MIJÃO
E PEGAR LOGO ESTA FERA
AGORA A POEIRA ABAIXOU
VAMOS TIRAR ESTE PÓ
DISSE QUE A ONÇA SAIU
DA SERRA DO CAPARAÓ
SAIU DE LÁ DA SERRA
PRA HABITAR NO CÓRREGO NOVO
QUANDO FALAVA EM ONÇA
SÓ APAVORAVA O POVO
EU DISSE: A ONÇA É FEROZ.
ELE DISSE: GRANDE “BOBIÇA”.
EMBRENHOU CAVERNA A DENTRO
NO MEIO DAQUELA CARNIÇA
ERA OSSO PRÁ TODO LADO
NO MEIO DA ESCURIDÃO
DAQUI EU E SOLTEI UM GRITO:
APARECE BICHO PAPÃO.
QUANDO ABRIU UMA CLAREIRA
NÓS AVISTAMOS O BICHÃO
ELE AGARROU NO RABO DO BICHO
DEU-LHE UM FORTE SAFANÃO
A ONÇA BALANÇOU O RABO
CHEGOU A DERRUBAR O MOÇO
ELE DEU UMA CAMBALHOTA
E AGARROU NO PESCOÇO
LA FORA DA CAVERNA
AGENTE OUVIA O BARULHO
A LUTA ERA TÃO FORTE
QUEBRAVA ATÉ PEDREGULHO
A ONÇA ENCOSTOU NUM CANTO
DAVA PATADA NO VENTO
ELE DISSE: FICA QUIETO,
BICHO SUJO E FEDORENTO.
MEU COMPADRE DEU UM GRITO
EU DISSE A LUTA TA NO FIM
RESOLVI ENTRAR NA CAVERNA
FOI AI QUE SOBROU PRA MIM
EU GRITEI PRO MEU COMPADRE:
EU VIM EM SUA DEFESA.
A ONÇA ABRIU OS OLHOS
PARECIA UMA TOCHA ACESA
EU VI QUE ERA UM MACHO
E PARECIA COM UM GATÃO
AI QUE FIQUEI NERVOSO
E SEGUREI O MEU FACÃO
APERTEI BEM O MEU CINTO
ATÉ CHEGAR NA FIVELA
EU VOU DAR O GOLPE CERTO
ACERTAR NO PÉ DA GUELA
A ONÇA LAMBIA O BIGODE
QUERENDO ENGOLIR A GENTE
EU DISSE PRA MEU COMPADRE
A CHAPA VAI FICAR QUENTE
QUANTO MAIS PASSAVA O TEMPO
MAIS O BICHO FICAVA NERVOSO
QUANDO EU ACERTAR ESSE BICHO
PRECISO TIRAR UM REPOUSO
ONÇA LAMBEU O BIGODE
EU ARREPIEI OS CABELOS
MEU COMPADRE DE NERVOSO
FALAVA PELOS COTOVELOS
NA HORA DE PEGAR A ONÇA
MEU COMPADRE DISSE: CALMA,
PRIMEIRO DEIXA EU REZAR,
E ENCOMENDAR SUA ALMA.
MEU COMPADRE SE AJOELHOU
ACENDEU UMA VELA COM “FÓSCO”
BENZIA COM A MÃO CANHOTA
COMO SAIO DESSE “NEGÓSSO”
A ONÇA LAMBIA AS PATAS
ACHO QUE ESTAVA COM APETITE
EU DISSE: ESTE BICHO NOJENTO
JÁ PASSOU DO LIMITE.
COLOQUEI O FACÃO NA BAINHA
MEU COMPADRE GUARDOU A FACA
FUI OBRIGADO A TAPAR O NARIZ
PELO FEDOR DA INHACA
EU PUXEI MINHA GARRUCHA
PUXEI PRA TRÁS OS DOIS “CÃO”
O BICHO TINHA OLHO VERMELHO
PARECIA O CRAMUNHÃO
MEU COMPADRE ARMOU A ESPINGARDA
E BOTOU NELA A ESPOLETA
EU DISSE PRA ELE UMA PIADA
A ONÇA FEZ UMA CARETA
NA TERRA DE TRABALHADOR
PREGUIÇOSO PASSA FOME
NÃO CORRO DO RASTRO DA ONÇA
A PARTEIRA DISSE: É “HOME”.
A ONÇA TAVA FERIDA
JORRAVA SANGUE VERMELHO
AINDA NÃO MATEI O BICHO
TO ESPERANDO O SEU CONSELHO
MESMO A ONÇA FERIDA
RESOLVEU SAIR DO BURACO
NÓS JÁ ESTAVAMOS CANSADOS
COM FOME E MUITO FRACO
DENTRO DE UM BURACO ESCURO
SEM ÁGUA E SEM COMIDA
TENTANDO A PRÓPRIA SORTE
ARRISCANDO A PRÓPRIA VIDA
MEU COMPADRE PERGUNTOU: E AGORA?
O FUMO TA FICANDO FORTE
MATAR UM BICHO DESTE
PRA MIM JÁ VIROU ESPORTE
A COISA VAI FICAR PRETA
EU JÁ TO PERDENDO A “PACIÊNÇA”
EU SÓ QUERO DERRUBAR A BICHA
E RECEBER A RECOMPENSA
DEPOIS QUE MATAR ESTA ONÇA
VOU DEITAR NA MINHA CAMA
VOU ASSISTIR DE CAMAROTE
O POVO CONTAR MINHA FAMA
PRESTA ATENÇÃO NO QUE DIGO
PORQUE A HISTÓRIA NÃO TERMINOU
ESTÁ FALTANDO UM DETALHE
QUE A HISTÓRIA NÃO CONTOU
DEIXA DE CONVERSA MOLE
EU QUERO SABER DA FERA
DEPOIS QUE ACABOU O BARULHO
ACHO QUE O COMPADRE JÁ ERA
SAIRAM DE SERRA ABAIXO
LIGEIRO COMO UMA BALA
DESLIZARAM NUMA PEDREIRA
CAÍRAM DENTRO DA VALA
MEU COMPADRE ESPERNEAVA
ESTUFAVA A VEIA ORTA
QUANDO CONSEGUIU SAIR
VIU QUE A ONÇA TAVA MORTA
ELE DESMAIOU DE CANSAÇO
DO ESFORÇO QUE ELE FEZ
LEVAMOS ELE PRA CASA
FICOU NA CAMA UM MÊS
DEPOIS QUE ELE ACORDOU
QUE PASSOU AQUELE BAQUE
MOSTREI O RETRATO DA ONÇA
QUASE DEU UM PIRIPAQUE
MEU COMPADRE FICOU BIRUTA
DEPOIS DA GRANDE CAÇADA
RUGIA QUE NEM A ONÇA
VIVIA DANDO RISADA
QUEM LER ESTA HISTÓRIA
VAI ACHAR MEIO SONÇA
MEU COMPADRE ERA MEDROSO
VIROU CASSADOR DE ONÇA
PRA PODER MATAR UMA ONÇA
EU NÃO MUDO A CAMISA
SE APARECER ALGUMA AÍ
VAI LÁ EM CASA E ME AVISA
MEU COMPADRE NÃO ANDA À NOITE
NUNCA MAIS ENTROU NO MATO
AJUDOU MATAR SÓ ESTA
HOJE CORRE ATÉ DE GATO
EU ESTOU FIRME E FORTE
QUE NEM POMBO SEM ASA
DEPOIS QUE ESCURECE
EU VÃO SAIO MAIS DE CASA
AMIGO ME DÊ LICENÇA
JÁ TERMINOU MINHA HISTÓRIA
SE AÍ AINDA TEM ONÇA
PODE CONTAR QUE EU TÔ FORA
SE ESTA HISTÓRIA FOSSE VERDADE
EU CONTAVA PRA MUITA GENTE
QUERO SOMBRA E ÁGUA FRESCA
E UMA CAMA BEM QUENTE
AGORA NÃO MATO MAIS ONÇA
POR CAUSA DA LEI DO IBAMA
ESCREVE PRA CAPARAÓ
PRA SABER DA MINHA FAMA
SOU POBRE, MAS SOU FELIZ
NISSO EU TENHO CONVICÇÃO
EU QUERO MORRER TRANQUILO
E DE DEUS TER MINHA BENÇÃO